Papo de avião
 



Dialogos

Papo de avião

Janeth de Oliveira Silva Naves


– O senhor poderia me dar licença? Minha poltrona é a da janela.

– Ah sim, pois não, senhorita. – Levantou-se para que a moça pudesse passar.

Ela se acomodou, afivelou o cinto de segurança e conectou os fones de ouvido. “Em uma hora e meia de viagem dará tempo de adiantar minha leitura”, pensou ela ao retirar um livro da bolsa.

Os dois permaneceram alheios um ao outro até que o serviço de bordo foi anunciado.

– Suco, refrigerante ou água? – perguntou a comissária ao se aproximar, dirigindo um olhar e um sorriso automático aos dois passageiros.

– Água – disse ela.

– Suco, por favor – pediu ele quase ao mesmo tempo.

Com movimentos ensaiados, a comissária entregou as bebidas e mais um pacotinho de biscoitos. Envolvido em guardanapo cuidadosamente dobrado a embalagem parecia um volume precioso; o conteúdo, porém, era diminuto.

Ao terminar o lanche, ela recolheu a mesinha e ele observou o título do livro sobre o colo da sua companheira de viagem. Ainda faltava quase uma hora de voo e uma conversa poderia ajudar o tempo passar.

– A senhorita está gostando do livro?

– Ah, não muito. O autor escreve bem, mas estou achando muito monótono, sem emoção.

– Eu já li esse livro.

– É mesmo, e o que achou?

– Também achei monótono, mas consegui perceber emoção no final.

– Estou lendo apenas porque foi recomendado. Estou fazendo um curso de escrita literária e o professor sugeriu a leitura.

– Olha que interessante! Então você pretende ser ou já é uma escritora?

– Por enquanto são apenas planos. – Ela fez uma pausa depois continuou esboçando um sorriso. – É o primeiro livro que leio depois que comecei o curso e estou observando uma série de aspectos que eu não costumava prestar atenção. Acho que este livro está sendo ótimo para eu perceber o que não devo fazer se quiser escrever livros surpreendentes.

– Então, de alguma forma, ele está sendo útil.

– Sem dúvida. Eu tenho uma opinião sobre obras de artistas famosos. Depois que eles alcançam o sucesso, qualquer coisa que fazem é aplaudida pela crítica. Se fosse uma pessoa desconhecida que fizesse aquilo, todos colocariam mil defeitos. Pensei isto quando vi uns desenhos de Picasso, e com este autor é a mesma coisa. Desde que Quirino Barros ficou famoso não escreveu mais nada interessante, este livro é um exemplo. – Riu novamente dando a conversa por encerrada.

– Concordo com a senhorita.

Ela recolocou os fones de ouvido, retomou o livro e o resto da viagem transcorreu em silêncio. Saíram do avião após uma rápida despedida e tornaram a se encontrar, acidentalmente, ao lado da esteira de bagagem. Ele a olhou e disse:

– Posso perguntar o seu nome para me lembrar quando vir um livro seu publicado? – indagou de maneira tão simpática que ela não teve como recusar.

– É Maria Amélia Gonzaga. E o seu?

– Antônio Quirino Barros. Foi um prazer, senhorita – finalizou a frase já a correr atrás da mala que acabava de passar.


Janeth de Oliveira Silva Naves vive em Brasília e é mãe de três filhos. Formada em Farmácia, é mestre e doutora em Ciências da Saúde e professora aposentada da UnB. Adora ouvir e contar histórias, ver filmes, ouvir música e cuidar de plantas.

 

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